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Sinal vermelho


Ela não consegue tirar carteira de habilitação. E olha que já tentou bastante.

No começo estava com a
confiança nas alturas. Avaliação psicológica: “aprovada”. Munida com o atestado de sua sanidade mental, foi procurar uma auto-escola. Rodou pela cidade pela, a pé, como já estava farta de fazer, encontrou uma que a agradou ou, pelo menos, agradou às pernas dela, exaustas de tanto andar. Preço em conta, atendimento razoável: “será esta que vai me transportar do mundo dos pedestres para o dos motoristas”.

A Legislação foi tranquila. A única aula que a deixou um pouco tensa foi a de noções de primeiros socorros: “tomara que nunca precise do que aprendi hoje”. A prova de Legislação valia trinta pontos. Vinte e um eram o mínino para a aprovação. Errou três questões. Ficou com vinte e sete. Agora, era,
a direção.

Primeiro dia de aula. O instrutor apresentou-lhe o carro. Modelo popular, motor 1.0, fácil de ser domado, não assusta os iniciantes e mata os mais experientes de raiva. Entrou no veículo, sentou no banco do motorista e girou a chave na ignição. O painel que se ascendeu a sua frente, mais parecia um céu em dia de noite estrelada, de tantas luzinhas. “Mulher não tem senso de direção”, “mulher confunde a direita com a esquerda e vice-versa”, “mulher não tem noção de espaço”, “mulher ao volante, é um perigo constante!”, todas estas expressões machista que lhe vieram à cabeça naquele instante e mais todos os pontinhos brilhantes do painel lhe fizeram sentir medo. Mas,
não hesitou. As duas mãos, bem firmes, seguravam o volante no momento da partida. Terminada a aula, desceu do carro com as pernas bambas. “Também não era pra menos, freio, embreagem e acelerador, três pedais para serem controlados por uma bípede, não faz o menor sentido!”. A sensação era a mesma de quando terminou a primeira e única aula de aeróbica que fez na vida, pela segunda vez, havia descoberto que não tinha coordenação motora e, estava exausta. “Será que dirigir é mais cansativo do que caminhar? Não é possível! Deve ser por causa do meu nervosismo.”

Quando lhe indagavam se estava achando difícil dirigir ela respondia: “dirigir é fácil, o difícil é coordenar todos os pedais, olhar pelo retrovisor, prestar atenção ao painel, ver o quê vem pela frente, tudo ao mesmo tempo!”. As aulas transcorriam e ela continuava se esquecendo de dar seta, estacionando a um metro do meio-fio e dirigindo sem sequer se lembrar da existência do retrovisor. Um sujeito mal humorado, que foi o examinador do seu teste de direção, deu a sentença já esperada: “reprovada”.

Convencida de que o problema era com a quantidade de rodas e não com ela, resolveu tirar a carteira de habilitação para motocicletas. “Com duas rodas há de ser mais fácil”.
Não foi. Além de pilotar, era preciso se equilibrar para não despencar de cima da moto. A prova de direção era avaliada não por um examinador mal humorado, mas, por cinco, um para cada trecho do percurso a ser cumprido. Aumentadas as dificuldades, decidiu convocar o apoio familiar. Levava o pai, a mãe e o namorado sempre que ia fazer os testes. Sim, no plural, porque ela fez três exames de direção para motos. Após tantas reprovações, desenvolveu uma tese: “é mais fácil eu conseguir ser aprovada no vestibular de uma universidade federal do que numa prova de direção”. Foi o que aconteceu.

Agora que vai passar as férias na sua cidade, ela
tentará novamente. Só falta decidir se a aventura será com carro ou moto.

Imagem: Creative Commons/Flickr: Daquella manera

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Sem segmentar e sem padronizar



Estudando para uma disciplina na faculdade, encontrei uma explicação “teórica” para a proposta que decide adotar quando crie este blog: publicar conteúdos relacionados ao cotidiano feminino, porém, direcionado tanto para as mulheres quanto para os homens que se interessam pelo nosso universo. Então, aí vai, resumidamente, o quê pensei depois das leituras que fiz.

A
cultura de uma sociedade pode ser definida por seus padrões de consumo. A cultura de massa, típica das sociedades pós-industriais, é aquela na qual as empresas oferecem produtos padronizados aos clientes. Segundo Maria Celeste Mira, as mercadorias eram voltadas para o consumo da família, ou seja, a televisão, o carro, a geladeira, e outros tantos produtos, são pensados para a unidade familiar. Nos países desenvolvidos, este tipo de estratégia vigorou, principalmente, após o nazismo.

No período que se estende desde a década de 50 até a de 80, considerado pelos historiadores como os anos dourados, a economia dos países desenvolvidos apresenta um surto de crescimento e mudanças socioculturais são implementadas. Nos anos 50 e 60 se desenvolve uma nova forma de consumo, baseada na
segmentação. Esta pressupõe que a sociedade está divida em diferentes frações de consumidores, por exemplo, homens, mulheres, jovens, homossexuais, negros. Algumas destas parcelas da sociedade ganharam visibilidade com os movimentos sociais que ocorreram durante os anos dourados, como o movimento feminista, a contracultura e o Black Power. Pessoas tão distintas teriam desejos diversos a serem realizados. É nisto que os agentes do mercado estão interessados, não só o mercado de bens materiais, mas também o de bens simbólicos.

Nesse sentido, é que atua a
mídia ao formar opiniões e ditar tendências de comportamento. De acordo com o novo espírito dos mercados, ela também segmentou-se: há impressos direcionados a determinados setores sociais, o rádio explora seu poder de “falar direto ao ouvinte”, a televisão, com canais pagos, disponibiliza conteúdos segmentados em horários específicos e a internet permite que o próprio usuário configure sua página de informações.

As publicações idealizam quem irá receber suas mensagens, por exemplo, mulher, classe C, casada e mãe e, a partir deste perfil produzem seus conteúdos. Entretanto, numa sociedade pós-moderna,
“pós-tudo!”, que já passou por diversas revoluções socioculturais, o público se torna cada vez mais complexo e difícil de ser enquadrado em categorias estanques como estas.

Homens podem gostar de cozinhar e quererem ler revistas que publiquem receitas culinárias, mulheres executivas se interessarem por oportunidades de negócios e podem procurar publicações que trazem informações sobre isto. Nesse contexto, exemplos como o ocorrido no conto “Corações Solitários”, Rubem Fonseca, no qual uma pesquisa revela que um jornal direcionado para
mulheres da classe C era, na realidade, lido por homens da classe B, podem se tornar comuns.
Daí minha proposta: sem segmentar e sem padronizar. Tudo
“pós-misturado!”.

Imagem: Creative Commons/Flickr: Rodrigo Favera

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Características: as femininas e as masculinas



O título acima está equivocado deveria ser: características humanas. Não entendo o motivo de separá-las como femininas e masculinas. Por exemplo, é uma peculiaridade das mulheres serem emotivas, inseguras, zelosas com a família. Já os homens são: decididos, competitivos, arrojados. Quem nunca viu reportagens do tipo “executivas bem sucedidas agem no ambiente profissional da mesma forma que os homens” e, logo adiante, descrevê-las com estes adjetivos. Outra ideia difundia é a de que bons maridos são homens atentos ao lar, o que seria maneira de portar-se típica das mulheres. As boas profissionais não estão agindo como homens, e nem os esposos ideais, como mulheres. Estão simplesmente, em consonância com suas personalidades. Homens podem ser doces, sensíveis, gentis. E as mulheres, agressivas, dominadoras, racionais. Estas, e mais um monte de outras qualidades humanas. Demasiado, humanas, como já dizia Nietzsche.

Homens e mulheres podem apresentar um pouco de cada uma destas características, independentemente do sexo. Há quem alegue que a razão para dividir as características esteja na evolução. Homens eram caçadores e as mulheres cuidavam do lar, assim, para sobreviverem desenvolviam os tais comportamentos masculinos e femininos. Acredito que para obter sucesso na saga evolutiva, ou seja, garantir suas próprias sobrevivências e de seus descendentes, ambos tiveram, em alguns momentos, que adotar as características femininas e as masculinas,
indistintamente.

Há duas causas para eu estar falando desse assunto. Primeira, essa separação entre as características sempre me incomodou. Segunda, eu li uma reportagem que tratava de uma pesquisa científica que demonstrava: o cérebro do homem pode ter traços femininos e o da mulher, masculinos. Esta matéria jornalística traz também um teste para você descobrir como o seu cérebro funciona. Só para constar, fiz o teste, o resultado foi que o meu é tipo misto. Aliás, este é o resultado mais recorrente. Lógico, não existe distinção rígida entre o, tipicamente, masculino e o feminino.

Atualmente, esse sectarismo não faz o menor sentido, pois os papéis sociais estão mesclados,
complementando-se. Melhor assim, a brincadeira da existência humana fica bem mais divertida.

Imagem: Creative Commons/Google

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Viva os quarenta!


“Uma mega festa! Quero comemorar a chegada dos meus quarenta anos em grande estilo! Pra isto, nada melhor do que uma festa como eu nunca tive antes na minha vida! Vai ser um brilho!” Esta era minha cabeleireira esfuziante com a proximidade da data em que ficaria mais velha. O convite da festa de seu aniversário já denunciava esta alegria. Ele era ilustrado com uma foto dela ostentando o típico sorriso largo e uma frase em letras garrafais que dizia: Enta! Enta! Enta! Cheguei aos meus quarenta!

No dia do tão esperado acontecimento, o sonho tornou-se realidade. O salão enfeitado à maneira que ela queria, o topo do bolo decorado com uma bonequinha que segurava nas mãos um secador de cabelos e as músicas que ela gosta de ouvir e de cantar tocando a pleno vapor.

Após um pouco de suspense, ela apareceu majestosa para brilhar na sua noite mágica. Mal entrou no salão e foi rodeada de amigos e familiares. A música que tocava parou e um de seus filhos cantou em sua homenagem. Um pequeno documentário de sua vida foi exibido. Na tela do cinema improvisado se alternavam: os pais, os irmãos, os filhos, o casamento, os amigos, a profissão. O resumo de uma trajetória passou diante dos olhos emocionados de quem assistia. Enganei-me, não era o dia de oficializar que ela havia envelhecido mais um ano, ao contrário, rejuvenescia.

Sempre pensei que os quarenta anos é uma idade enigmática. Está bem longe da velhice, mas, também já se distanciou da juventude. Não estou só nestas inquietações. Já houve música que entoou no refrão: "a vida começa aos quarenta!". Filmes também já retrataram esta fase conturbada da existência do ser humano, principalmente, se este for uma mulher. O roteiro de um que assisti certa vez, tratava de quatro amigas que já tinham entrado na quarta década de vida e queriam fazer uma peça teatral para falar de suas vivências como quarentonas. Porém, o diretor delas dizia que não teria a menor graça porque mulheres de quarenta não confessam nada.

Será que mulheres desta idade ainda têm algo a confessar? São, suficientemente, donas de seus erros e acertos. Mulheres de quarenta são mais loucas do que as de vinte e as de trinta? Dizem que aos vinte anos as mulheres sabem por quê sofrem, aos quarenta, não. Acredito que nós mulheres, seja lá qual for a idade, não precisamos de motivos exatos para chorar.

Depois da
festa de aniversário da minha cabeleireira, fui dormir com menos medo dos quarenta anos. Sim, já penso neles há algum tempo, pois, já passei da metade do caminho. Espero que quando eles chegarem eu também tenha vontade de festejar muito.


Imagem: Creative Commons/Flickr: Peti Deuxmont

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Lista de "cornos" e o cotidiano dos relacionamentos


Uma lista divulgada pela internet com nomes de homens que, supostamente, teriam sido traídos por suas companheiras causou alvoroço numa cidade pequena do interior mineiro. A mim, não interessa saber quais pessoas estão nessa lista e nem botar mais lenha na fogueira desse boato.

O fato só despertou a minha atenção por me fazer pensar um pouco mais em duas questões que me afligem já há algum tempo: a primeira, será verdade que os homens se preocupam mais com a publicidade de uma traição do que com a própria traição ? A outra é, as pessoas não se preocupam mais com os seus relacionamentos ?

Sei que estes questionamentos poderiam render teses e mais teses acadêmicas, mas vou deixar apenas minha simples e singela contribuição, sem pretender dar lição de moral em ninguém, até mesmo porque não gosto disso e sequer creio que funcione e, principalmente, porque em matéria de relacionamento, cada um sabe do seu, encontra o seu jeito de dar certo e, se não der, parte pra outro ou, fica sozinho.

Não acredito que um casamento, namoro ou qualquer relacionamento amoroso, se deteriore de repente. Sempre há pistas que deixam transparecer que alguma coisa está errada. Não, não estou me referindo a marcas de batom, cheiro de perfume diferente ou bilhete de motel. Estas são as evidentes, que só aparecem depois do fato consumado, digo, traição consumada. Falo, de olhares distantes, perguntas sem respostas ou com respostas evasivas, dores de cabeça sempre ao ir se deitar, dentre outros indícios. Se as pessoas prestassem mais atenção a quem têm ao seu lado, se os homens percebessem quando as mulheres cortam o cabelo e se as mulheres soubessem qual o cargo que o companheiro ocupa na empresa na qual trabalha, por exemplo, talvez esses indícios fossem percebidos a tempo de tentar salvar o relacionamento ou, sair dele com dignidade.

O individualismo é tanto que é preciso uma lista na internet, vinda não sabe de onde e nem baseada em quê para chamar a atenção das pessoas para o que ocorre dentro de suas casas?


Imagem: Google/ Creative Commons

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Vestido Vermelho




Ao receber o convite para o casamento de seu melhor amigo decidiu ir bem bonita à cerimônia. Era uma data importante, não é todo dia que se casa um amigo de infância. Então, iria pra arrasar! A primeira providência a ser tomada era comprar um vestido. Sim, pois os que estavam em seu guarda-roupa eram de uma, duas, ou sei lá, de quantas coleções passadas. Além do mais, nem sabia se ainda entraria em algum deles, ultimamente, o ponteiro da balança não tem se mostrado muito simpático com ela. Pensou em vestido, pensou vermelho. Não pode ser de outra cor, tem que ser vermelho. Vestidos vermelhos estão nas capas das revistas de moda mais famosas do país, ela havia visto a Sarah Jessica Parker vestida com um vestido vermelho na foto de uma reportagem que falava das preparações para “Sex and the City 2” , e, o mais importante, há muito tempo sonhava em vestir-se com essa cor, agora, que sua auto-estima estava nas nuvens, era o momento certo. Afinal, ninguém veste vermelho impunemente.

No mesmo dia em que foi convidada para o casamento, idealizou o vestido, a sandália e os acessórios que comporiam seu visual no grande dia, porém, o trabalho, a faculdade e os afazeres do lar desviaram sua atenção. De repente, se deu conta de que já estava às vésperas do dia da cerimônia. Ia precisar comprar tudo no dia seguinte, um sábado, pois, na próxima semana, viajaria a trabalho e, só retornaria no dia do casório. Nos sábados, o comércio de sua cidade fechava no horário do almoço e, por isso, as lojas ficavam uma confusão: apinhadas de clientes e com os vendedores loucos para descansar depois de uma semana inteira de serviço. Mas, imbuída de muita coragem e força de vontade, partiu para a maratona de compras. Era o jeito, fazer o quê?

Compras realizadas. Chegou em casa e resolveu vestir o vestido novamente. Lá na loja, já havia experimentado ele e ficado com a leve impressão de que o decote estava torto e tinha decidido retirar os broches que enfeitavam as alças. Porém, para ter uma segunda opinião, nada como vestir a roupa nova na tranqüilidade do lar. Percebeu que o decote era muito torto, os broches eram, realmente, horríveis, sua silhueta parecia aumentar assustadoramente e uma faixa que passava um pouco acima de sua cintura diminuía-lhe a estatura. E, o pior, o vestido era vinho! Ela pensou que se acostumaria, contentaria com aquilo mesmo. Afinal, o vestidinho tinha sido bem barato, custado menos do que ela pensava em gastar. E, o fato dela ter que viajar e só voltar na data do casamento, não lhe dava outra opção. Até que um telefonema no meio da tarde deu a bela notícia: a viagem havia sido adiada. As esperanças de ficar linda na cerimônia voltaram.

Na segunda-feira, foi em busca do vestido vermelho. Depois de entrar em várias lojas, terminou na sua preferida. No fatídico sábado, não havia sobrado tempo para procurar ali, logo a sua preferida. Depois de experimentar vários vestidos, entre eles, um rosa que a deixou com cara de criança, um que era lindo, mas custava três vezes a quantia que podia gastar e um que a transformou num verdadeiro repolho, finalmente, encontrou o de seus sonhos. Vermelho, decotado, comprimento à altura dos joelhos. Saiu da loja carregando a sacola como se fosse um prêmio. E, realmente, era. Ali dentro, não estava apenas um vestido, mas sim, um objeto de desejo e, acima de tudo, a certeza de que nunca mais se contentaria com menos do que havia sonhado.


Imagem: Flickr/Creative Commons: Pasadena Burbank

 
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