Sílvia


Sílvia era professora universitária. Lecionava no curso de Artes Plásticas. Gostava de arte. Mas, preferia a teoria à prática. Também, já havia tentado pintar e escrever poesias: nunca passou da fase dos esboços. Convencida de que era melhor estudar a vida e a obra dos artistas geniais do que tentar ser um deles, mudou o rumo de sua vida. Queria se tornar uma renomada acadêmica. Leu pilhas de livros, colecionou diplomas e viajou o mundo para conhecer de perto as grandes obras.

Sílvia vivia sozinha, era uma mulher independente. Tinha um passarinho de estimação, mas este relacionamento, não causava dependência. Podia abrir a porta da gaiola a qualquer momento.

O seu trabalho na universidade ia, monotonamente, bem. Era chamada, respeitosamente, de doutora por alunos e colegas, tinha conseguido publicar alguns artigos e, neste ano, ia se apresentar em mais um congresso na Europa. Se não era pra soltar fogos de artifício, também não dava pra reclamar. Imbuída deste espírito de compaixão por si mesma, foi tomar um cafezinho. Sentou-se na única mesa vaga. Assim que se acomodou, um homem com cheiro de estrume e sotaque interiorano pediu para se sentar ao seu lado. Com um meneio de cabeça, ela consentiu. O estranho fazia pós-doutorado em inseminação artificial de bovinos. Depois do cafezinho e de algumas noites juntos, ele fez a clássica pergunta: “Quer se casar comigo?”. Com um meneio de cabeça, ela consentiu.

Apesar de ter respondido como quem responde a uma pergunta trivial, ela estava radiante. Ao ouvir o pedido de casamento, Sílvia se deu conta do quanto queria abandonar a universidade, deixar todas as teorias no passado.

Quando o noivo criador de gados terminasse seu curso, ele voltaria para sua fazenda no interior do Paraná. Após se casarem, Sílvia moraria na propriedade dele. Para ela, que já havia morado em Paris, Nova York e São Paulo, este não seria um desafio insuperável.

No dia de dizer “sim”, a sede da fazenda, local escolhido para a cerimônia, estava linda. Decoração, bebida e comida de ótima qualidade. Os convidados eram fazendeiros dos quais ela sequer sabia os nomes. Tudo transcorria tranquilamente. Atormentada, estava Sílvia. Uma voz dentro de seu cérebro a perguntava se ela concordava com o “bricoleur” de Lévi-Strauss. Aquilo a desesperava, já havia sofrido tanto com este questionamento. Ela podia até refletir mais sobre este assunto, adotar um posicionamento menos conservador em relação à arte, mas, não agora. Não no dia de seu casamento.

A caminho do altar a voz não a deu sossego. “Você concorda com o “bricoleur” de Lévi-Strauss?”, “Você concorda com o “bricoleur” de Lévi-Strauss?”... A cerimônia transcorria e a voz interior continuava a assombrá-la. Bem na instante de responder se aceitava o criador de gados como esposo, ela gritou: “Não! Eu não concordo!”. O murmúrio dos convidados a trouxe à realidade. Viu o rosto atônito do noivo e tentou se explicar: “Eu estava falando do “bricoleur” de Lévi-Strauss”. Ele fez uma cara de quem não entendia nada. “Quando eu quis te explicar o “bricoleur” de Lévi-Strauss você não me deu atenção.” Esta foi a única frase que ela conseguiu dizer antes de partir.

Hoje, Sílvia mora num quarto e sala, que pode ser em Paris, Nova York, São Paulo, interior do Paraná ou em qualquer lugar do mundo onde alguém possa conviver em paz com o “bricoleur” de Lévi-Strauss.


Imagem: Creative Commons/Flickr: Wolfgang Staudt

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